Bem ensaiados, irmãos Cavalera revivem
álbuns que pavimentaram o sucesso internacional do Sepultura há quase
30 anos.
Max Cavalera faz a clássica mão de fogo: tocando a guitarra de quatro cordas que lhe é peculiar
Antes
de o show terminar acontece aquilo que se anunciara durante toda a
noite. O vocalista, na música final, já sem a guitarra que abraçou
incrivelmente durante o show, se joga sobre o público num ato de puro
congraçamento, não sem antes se certificar: “Vocês me seguram? Eu tô
gordão!”. É “Ace Of Spades”, é mosh, é body surfing, tudo acontece como
há quase trinta anos, nesse mesmo Circo Voador, com ótimo público na
noite desta sexta (1/11). As limitações do tempo - do passar do tempo,
ah, o tempo… - não impedem, dessa vez, que Max e Iggor Cavalera - ou Cavalera Conspiracy,
como queiram - façam um ótimo show, mostrando surpreendente forma
física, se compararmos com passagens recentes por essas plagas.
Porque, dessa vez, os caras parecem ter se preparado melhor, ensaiado
com o afinco que a história deles merece, sobretudo Iggor, já que dele
depende a agressividade de todo o repertório da fase que engloba os
álbuns “Beneath The Remains” e Arise”, lançados respectivamente em 1989 e
1991. São ao discos que prepararam o Sepultura
para a carreira internacional, consolidada em grande estilo e sucesso
global com os posteriores “Chaos A.D.” (1993) e “Roots” (1996). Depois, a
empresária da banda foi demitida, levou Max, marido dela junto, e o
resto está hoje nas biografias de parte a parte. Trata-se de um
repertório, por assim dizer, intermediário, antes das influências de
quem vive o mainstream do metal e da música mundial, e depois do início
bronco/ingênuo, lá em Belo Horizonte, que o Cavalera Conspiracy, como
banda, tentar atualizar nos discos com músicas inéditas.
Em ótima forma física, Iggor Cavalera tem umas de suas melhores performances desde o Sepultura
Quem
passou pelas catracas do Circo esperando ver a banda tocando a íntegra
dos dois álbuns, contudo, teve que se contentar com seis, de um total de
nove, do “Beneath…”, e outra meia dúzia, das 10 do “Arise”. Matemática à
parte, a solução se mostrou bastante eficiente, já que todas a músicas
foram tocadas com o empenho, a agressividade e a técnica tal qual foram
gravadas e eram executadas pela formação clássica do Sepultura nesse
mesmo Circo Voador – ao menos as do “Beneath…”, depois a casa ficou
pequena pra eles -, sem enrolação, sem pot-pourri, sem
agora-cantem-vocês-que-eu-esqueci-a-letra-e-tô-sem-voz. E com Max
tocando a guitarra suja de quatro cordas que lhe é peculiar durante todo
o show. E com Iggor – repita-se – em uma de suas melhores performances
nos últimos tempos, desde que se reuniu com o brother Max.
Por isso a dobradinha “Beneath the Remains”/“Inner Self”, aquela
mesmo que a TV Globo proibiu por ser muito pesada, e que tem um duplo
bumbo de mudar a vida da pessoa, abrem a noite de forma avassaladora,
com o plus do som do Circo, um dos melhores da cidade, bem equalizado e
em um volume abissal. Por isso “Dead Embrionic Cells”, um clássico
eterno do Sepultura, faz a plateia pular em uma enorme onda, como também
acontece no cover de “Orgasmatron”, do Motörhead,
bônus de “Arise”, que viralizou em uma MTV de sinal aberto antes mesmo
de a internet arruinar o mercado da música. E por isso “Desperate Cry”,
uma das preferidas de Max – de quem não é? -, surge como uma
moto-niveladora a passear sobre o público.
O ótimo guitarrista Marc Rizzo, parceiro de Max Cavalera no Soulfly há uns 15 anos, debulha a guitarra
Até
músicas menos conhecidas/bombadas na mídia de um modo geral ganham um
realce no show, como “Stronger Than Hate”, com a primeira debulhada de
um seguro Marc Rizzo, parceiro de Max há uns 15 anos, e o solinho final
de baixo recriado pelo correto Mike Leon, ambos integrantes do Soulfly.
“Altered State”, por sua vez, recebe uma jam instrumental na onda
religiosa/bíblica de Max, para desaguar em uma transição feroz,
incluindo as duas guitarras nervosas e o vocalista realmente possesso na
beirada do palco, como poucas vezes se viu nos tempos mais recentes.
Revisados os dois álbuns, o bis guarda pedradas indispensáveis como
“Refuse/Resist”, cujo pioneiro arranjo de bateria mudou meio mundo, e na
qual Max promove a “abertura do Mar Vermelho” na plateia, e “Roots
Bloody Roots”, maior hit do Sepultura em todos os tempos. Disparado uma
das melhores apresentações dos irmãos Cavalera desde o fatídico ano de
1996. Agora, sim, se pode pensar numa volta da formação clássica.
Um problema no cronograma dos shows fez o Enterro,
que tocaria antes do CC, se apresentasse depois, encerrando a noite. O
convite feito pelo próprio Max Cavalera – grande apoiador do metal
nacional, diga-se -, e o apelo do vocalista/baixista Alex Kafer, além do
som “do ramo” do DJ Terror, mantiveram um bom público no local, para um
show conciso e bem pesado. O som cru da banda, tocando como trio, já
que China, um dos guitarristas, não pode ficar, se revelou ainda mais
“faca no estômago”, com Donida, o outro, mostrando toda sua habilidade
no segmento, um deleite para os fãs de metal que, destruídos, mantiveram
postura mais contemplativa. Na abertura, mais cedo, o veterano Endrah
tocou para o público que ainda chegava, e fez um show pesado e com certo
groove, muito embora a banda tenha raízes no death/thrash metal, com um
quê de hardcore nova-iorquino anos 90. Um ótimo aquecimento para uma
bela noite do metal nacional.
Rizzo, Max e o baixista Mike Leon, outro integrante do Soulfly na exibição do Cavalera Conspiracy
Set list completo:
1- Beneath the Remains
2- Inner Self
3- Stronger Than Hate
4- Mass Hypnosis
5- Slaves of Pain
6- Primitive Future
7- Arise
8- Dead Embryonic Cells
9- Desperate Cry
10- Altered State
11- Infected Voice
12- Orgasmatron
13- Ace of Spades
Bis
14- Troops of Doom
15- Refuse/Resist
16- Roots Bloody Roots
17- Beneath the Remains/Arise
Fotos: Daniel Croce
Fonte: Rock Em Geral