No show do novo álbum, Foo Fighters converte músicas em esquetes que são aula e ao mesmo tempo espécie de parque temático do rock.
Não
é só mais um show de rock para 30 mil pessoas em um estádio. Não é só
uma banda consagrada apresentando as músicas do disco novo e repetindo
seus grandes sucessos, que é o que o público realmente quer ouvir. Se
fosse assim, já seria ótimo, mas a apresentação do Foo Fighters
na noite deste domingo (25/2), no Maracanã, é muito, muito mais. Supera
o protocolo adotado por dez entre dez artistas seja de que segmento for
e aponta para o improviso, ainda que de certo modo planejado, e para o
desenrolar de um repertório apresentado de forma única, desenvolvida ano
após ano, turnê após turnê, meio intuitivamente, por uma sólida
formação que já dura, sobre o palco, mais de 10 anos. Com o Foo
Fighters, uma música tocada ao vivo jamais é igual a ela própria, tocada
em outra
turnê.
Para se ter uma ideia, na primeira meia hora só cabem quatro músicas,
convertidas que são em versões alongadas instrumentalmente, com
interstícios para a participação da cantoria do povaréu, ou com
inserções nem sempre oportunas – vamos e venhamos – de um empolgadaço
Dave Grohl. Ele é a figura central da apresentação e já sobe no palco
com a pré-disposição de botar pra quebrar, correndo de lado a outro do
palco e cantando/gritando furiosamente. Com mais dois guitarristas
(Chris Shiflett e Pat Smear) e o tecladista Rami Jaffee, Grohl se dá ao
luxo de tocar assim, assim, enquanto deixa emergir a veia daquele que
entretém, para a satisfação de uns e o desalento de outros, como
acontece com grandes ícones do rock em todas as épocas. Que rende
momentos engraçados e outros enfadonhos, não tenha dúvida.
A
abertura é com “Run”, o indigesto single do novo álbum, “Concrete and
Gold”, prontamente reconhecida pelo público, que realça o groove e a
espécie de “batida de maracatu” imposta pelo batera Taylor Hawkins, em
contraposição ao vocal gritado de Grohl, tudo no mais sutil Soulfly/Sepultura
style. O público se acaba é na sequência, que inclui – tudo estendido -
clássicos como “The Pretender”, com um ótimo duelo de Dave Grohl com
Shiflett, e “Learn to Fly”, quando o desafio do vocalista é com um
poderoso Hawkins. Na maior parte do tempo, a banda, acrescida por três
vocalistas de apoio anônimas em algumas músicas, parece brincar de
estátua para que o chefão Grohl brilhe à frente, à exceção de Taylor
Hawkins, o “primeiro flerte” do vocalista, segundo ele próprio em uma de
suas tiradas.
E Hawkins brilha em várias partes do show. Na mais extravagante,
canta a música “Sunday Rain”, outra das novas, depois de um rápido solo,
enquanto a bateria é erguida a uns oito metros de altura por um
mecanismo pantográfico no maior estilo Kiss.
Mais adiante, na apresentação dos músicos, em esquete quase
humorística, faz as vezes de Freddie Mercury no Rock In Rio de 1985,
decalcando a inigualável performance de “Love Of My Life”, com o
público, embora jovem, fazendo sua parte direitinho. “Esse é o
verdadeiro Rock In Rio”, diz Grohl, sem citar que o Foo Fighters estreou no Brasil na edição de 2001 do festival. Hawkins ainda troca de lugar com Grohl, que assume as baquetas em uma versão certinha para “Under Pressure”, de Queen + David Bowie, cujo nome infelizmente não é citado.
O
momento apresentações da banda, que tem sido aperfeiçoado turnê após
turnê, ainda tem Chris Shiflett cantando na versão de “Under My Wheels”,
de Alice Cooper,
e os sem jeito Nate Mendel (baixo) e Pat Smear (guitarra) mandam,
respectivamente, um trecho de “Another One Bites the Dust”, também do
Queen, e Blitzkrieg Bop, do Ramones. A homenagem maior, contudo, vem no bis, quando a imagem de Malcolm Young, o guitarrista do AC/DC,
morto no final do ano passado, aparece no telão, com a banda tocando
“Let There Be Rock”, música tema do filme de mesmo nome, forte
influência para Grohl decidir montar bandas. Com tanto plus a mais, o
show bate as duas hora e meia de duração, em um roteiro que, se é
verdadeiro espetáculo temático do rock de várias épocas, além do show do
FF em si, pode não ser tão bem compreendido pelo público, como se fosse
uma primeira aula de uma matéria pouco estudada nesses tempos tão
estranhos.
Pode não parecer, mas o cenário é também incomum, a começar pelo
telão central, no formato de losango retângulo que remete à capa de
“Concrete and Gold”. A iluminação, em pequenos spots quadrados de led,
aparece em barras partidas três a três que assumem configurações
diversificadas a cada música, e o uso de raio laser, seja projetando o
logo da banda sobre os equipamentos, ou no clássico “raio de sol”, é
aplicado durante toda a noite. Parece que não, mas são detalhes que
contribuem para a pecha de “única” para a apresentação. Do disco novo,
entram ainda “Make It Right”, que passa batida no meio do show ante ao
desinteresse total da plateia, insensibilizada com um riff dos bons, e a
marcial “The Sky Is a Neighborhood”, cujo tom épico e o apoio das
vocalistas têm bom eco na multidão.
Apesar
da ausência de números como “I’ll Stick Around”, “Congregation” e
“Arlandria”, na contabilidade final o repertório tem músicas dos nove
álbuns de estúdio da banda, à exceção de “Sonic Highways” (2014), talvez
por ser um projeto específico com a participação de vários músicos.
Direcionada aos fãs old school (teve a tradicional pergunta de quem
estava no show do FF pela primeira vez), “Breakout” recebe adesão
imediata, assim como a boa “Hope”, do álbum “Wasting Light”, de 2011,
talvez o último grande trabalho da banda. A primeira parte é encerrada
em grande estilo com “Best of You”, e o bis, curto – mas eram duas hora e
meia! – termina com a participação geral da plateia em “Everlong”. O
fim de um show que, pelos contornos singulares, possivelmente será bem
diferente no futuro. Quem viu, viu. Quem não viu, veja.
1- Run
2- All My Life
3- Learn to Fly
4- The Pretender
5- The Sky Is a Neighborhood
6- Rope
7- Sunday Rain
8- My Hero
9- These Days
10- Walk
11- Breakout
12- Make It Right
13- Under My Wheels
14- Another One Bites the Dust/Blitzkrieg Bop/Love of My Life/Blitzkrieg Bop
15- Under Pressure
16- Monkey Wrench
17- Times Like These
18- Best of You
Bis
19- This Is a Call
20- Let There Be Rock
21- Everlong
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